O descontentamento consigo próprio
















O caso é o mesmo em todos os vícios: quer seja o daqueles que são atormentados pela indolência e pelo tédio, sujeitos a constantes mudanças de humor, quer o daqueles a quem agrada sempre mais aquilo que deixaram para trás, ou dos que desistem e caem na indolência. Acrescenta ainda aqueles que em nada diferem de alguém com um sono difícil, que se vira e revira à procura da posição certa, até que adormece de tão cansado que fica: mudando constantemente de forma de vida, permanecem naquela «novidade» até descobrirem não o ódio à mudança, mas a preguiça da velhice em relação à novidade. Acrescenta ainda os que nunca mudam, não por constância, mas por inércia, e vivem não como desejam, mas como sempre viveram. As características dos vícios são, pois, inumeráveis, mas o seu efeito apenas um: o descontentamento consigo próprio.

Este descontentamento tem a sua origem num desequilíbrio da alma e nas aspirações tímidas ou menos felizes, quando não ousamos tanto quanto desejávamos ou não conseguimos aquilo que pretendíamos, e ficamos apenas à espera. É a inevitável condição dos indecisos, estarem sempre instáveis, sempre inquietos. Tentam por todas as vias atingir aquilo que desejam, entregam-se e sujeitam-se a práticas desonestas e árduas, e, quando o seu trabalho não é recompensado, tortura-os uma vergonha fútil, arrependendo-se não de ter desejado coisas más, mas sim de as terem desejado em vão. Eles ficam então com os remorsos de terem assumido essa conduta e com medo de voltarem a incorrer nela, a sua alma é assaltada por uma agitação para a qual não encontram saída, porque não conseguem controlar nem obedecer aos seus desejos, na hesitação de uma vida que pouco se desenvolve, a alma paralisada entre os desejos abandonados.

Tudo isto se torna ainda mais grave quando, com a repulsa do sofrimento passado, se refugiam no ócio ou nos estudos solitários, que uma alma educada para os assuntos públicos não consegue suportar, desejosa de agir, inquieta por natureza e incapaz de encontrar estímulos por si mesma. Por isso, sem a distração que as próprias ocupações representam para os que nelas andam, não suportam a casa, a solidão, as paredes; com angústia, veem-se entregues a eles mesmos.

Séneca

O arrependimento conducente ao descontentamento consigo próprio torneja-se através de um equilíbrio físico, moral e financeiro. E a tecnologia digital viabiliza tudo isso através da Arte, sobretudo para a mulher. Na era moderna, a expressão artística doméstica desbasteceu as criações dos artistas empossados e originou, em simultâneo, um ambiente física, moral e financeiramente saudável.

Na segurança do lar, longe dos inconvenientes da prostituição, a violência dos clientes, os calotes, as doenças, a langonha nas cuecas, os calos nos pés, o constante pigarrear, as esfoladelas na pachacha, o ânus dorido, a impossibilidade de casar, pois os homens não querem mulheres em segundíssima mão, a mulher, através da arte, mantém toda a virgindade para o namorado ou marido, ganhando dinheiro unicamente com a sua imaginação, sem ser necessário investir nos seus três órgãos genitais. Uma mulher é como uma vaca, tudo se aproveita, se esta é deliciosa da alcatra às mãos, aquela, farta em áreas sexuais que cobrem todo o seu corpo, é fruitiva dos cabelos às unhas dos dedos dos pés.

No final de cada performance, o sentimento criador, o amparo financeiro, a proteção moral engolfam a autoestima, equilibrando corpo e alma num êxtase cartesiano, consumando o Geist hegeliano.

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