Serguei Iessienin “Estou a andar pelas ruas, cabisbaixo, rumo / à taverna mais próxima, para um copo ou dois”
O Partido bolchevique interessou-se sobremaneira pelo tema
da arte, especialmente sobre a vinculação entre arte e propaganda e arte e instrução,
por isso criou o Narkompros, o Comissariado do Povo para a Instrução Pública.
Carecendo de meios modernos de comunicação, o uso de cartazes e pinturas em
todo lugar possível e imaginável, com fins de propagandear os valores da
revolução, garantia certa liberdade aos artistas da época. Com Anatoli
Lunatcharski à frente do Narkompros, a individualidade e criatividade dos
artistas eram encorajadas. O Narkompros estimulava o desenvolvimento de novas
tendências artísticas, e houve então toda uma reformulação do sistema oficial
de ensino artístico. Bastante democrático, o Narkompros não se colocava nem do
lado dos adeptos da implantação imediata de uma cultura proletária, nem
daqueles que defendiam a aceitação da cultura burguesa. No entanto o Comissariado
devia prestar contas ao governo soviético, e já naquele contexto inicial o
governo bolchevique demonstrava uma certa predileção ao atrelamento entre arte
e propaganda revolucionária.
Procurando agradar gregos e troianos, ou seja, os adeptos da
arte funcional à revolução e os defensores da arte livre, Lunatcharski chegou a
propor a eliminação do júri para a aceitação das obras de arte nas exposições,
dando lugar às chamadas “Exibições Livres Estatais”. Assim, qualquer cidadão
russo poderia expor uma obra que considerasse arte.
Com a instituição da NEP, a Nova Política Económica que deu
um choque de Capitalismo na Rússia pós-revolucionária, a verba transferida para
o Narkompros passou a ser cada vez menor, enquanto o órgão era encarregado de
cada vez mais funções. O orçamento do Comissariado passou de 11,5%, em 1918,
para 15,5%, em 1919; e em seguida para 9,4%, em 1920, e 2,2%, em 1921. Além
disso o Partido empenhava-se em estabelecer um controle rígido do Narkompros,
tanto quanto do Proletkult.
Segundo Lunatcharski, Lenine guardava muita desconfiança em
relação tanto ao Proletkult quanto ao Narkompros, não só porque havia ali um
adversário político (Alexandre Bogdanov) que poderia gerar problemas, mas
também porque o líder bolchevique não via com bons olhos o afastamento dos
operários do aprendizado das ciências e da cultura existentes, as quais,
obviamente, eram “burguesas”. Foi nesse contexto que Lenine recomendou a
Lunatcharski, em 1920, a vinculação entre Proletkult e Narkompros, o que
representaria um maior controlo do Partido. Não por acaso os anos seguintes
tiveram cortes de verbas para o Narkompros e o fim da Proletkult, enquanto
ganhou expressividade a corrente artística “produtivista”, que associava arte e
vida. Vladimir Tatlin, expoente do Construtivismo russo, defendia, por exemplo,
que a verdadeira importância da arte estava no cumprimento de um papel
político. Vê-se então as raízes da passagem do construtivismo russo rumo a uma
arte funcional, comprometida com uma nova estética (a ser aplicada na indústria,
vide Bauhaus) tanto quanto com a propaganda política do regime.
Em todo caso, a imposição do Realismo Socialista a partir
dos anos 1930 não foi obra exclusiva de maquiavélicos dirigentes partidários
que pretendiam usar a arte como ferramenta de manipulação e de convencimento do
povo russo. A recetividade daquelas teorias tinha algum substrato material na
própria cultura russa pós-revolucionária e o seu modo particular de encarar a
revolução e o papel da arte na transição socialista.
Os anos 1920 e 1930 foram muito agitados no âmbito dos debates sobre qual seria a arte revolucionária, o que, claro, veio acompanhado da questão da censura da arte não-revolucionária. Foi então que se deu o debate sobre a criação de uma cultura pelos próprios proletários, o Proletkult, e depois os debates sobre o realismo socialista etc. Embora muito interessante, tudo aquilo desembocaria nas bizarrices do chamado realismo socialista e a censura do Partido não só a certos tipos de arte, mas até mesmo a certos instrumentos como “instrumentos burgueses” etc. Um belo filme que passa pelo tema é “Balzac et la Petite Tailleuse chinoise”, um filme franco-chinês realizado por Dai Sijie, saído em 2002.
Sobre as vanguardas russas, vale a pena mencionar o
Futurismo, o Construtivismo, o Suprematismo e o Imagismo. O “poeta da revolução”
Maiakovski era expoente do Futurismo russo, enquanto seu amigo, Serguei Iessienin,
integrava a vanguarda do Imagismo, mas a verdade é que a poesia de ambos contém
traços de várias correntes e não podem ser facilmente inseridas nas caixinhas
das correntes artísticas. Talvez por isso se chamem “correntes”.
Iessienin, era livre, nada de correntes ou caixinhas,
portanto. Livre, escolheu a morte. Quem poderá julgá-lo? Suicidou-se num hotel
em Leningrado, em dezembro de 1925. Àquela altura, a revolução já mostrara sua
face negativa. Iessienin estava casado com a bailarina Isadora Duncan desde 2
de maio de 1922, e também há quatro anos vivia com o poeta Anatoli Marienhof.
Iessienin não deixou um bilhete de suicídio, mas afirma-se que deixou um poema
de despedida escrito com o próprio sangue, por não ter tinta na sala, dedicado
ao amante.
Até logo, até logo, companheiro,
guardo-te no meu peito e te asseguro:
o nosso afastamento passageiro
é sinal de um encontro no futuro.
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo.
O poema teria sido ocultado pelo governo soviético, por
interesses políticos, mas não há fontes confiáveis dessa informação.
Fonte: passa palavra
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