Lamento de um pai de família - Jorge de Sena
Como pode um homem carregado de filhos e sem fortuna alguma
ser poeta neste tempo de filhos só da puta ou só de putas
sem filhos? Neste espernear de canalhas, como pode ser?
Antes ser gigolô para machos e ou fêmeas, ser pederasta
profissional que optou pelo riso enternecido dos virtuosos
que se reveem nele e o dececionado dos polícias que com ele
não fazem chantagem porque não vale a pena. Antes ser
denunciante
de amigos e inimigos, para ganhar a estima dos poderosos ou
dos partidos políticos que nos chamarão seus gênios. Antes
ser corneador de maridos mansos com as mulheres deles
fáceis.
Antes reunir conferências de São Vicente de Paula, para
roçar
o cu da virtude pelas distrações das sacristias escuras e
ter o prazer de acudir com camisolinhas aos pobres entre os
quais
às vezes aparece um ou uma que dá gosto ver assim tão pobre
por
se lhe verem os pelos pelos rasgões da camisa ou algo de
mais
impressionante para o subconsciente que sempre está nos
olhos
que docemente se comovem com a miséria. Antes ir para as
guerras
da civilização cristã ou da outra, matar os inimigos da
conta corrente
e das fábricas de celofânicas bombas. Antes ser militar.
Ou marafona de circo. Ou santo, ou demônio doméstico
torcendo as orelhas dos filhos à falta de torcê-los aos
filhos
da puta. Ou gato. Ou cão. Ou piolho. Antes correr os riscos
do
DDT, das carroças que os municípios têm para os cães
suspeitos
de raivosos como todos os cães que se vê não lamberem as
partes
das donas ou mesmo dos donos. Antes tudo isso que assistir a
tudo,
sofrer de tudo e tudo, e ainda por cima ter de aturar o amor
paterno e os sorrisos displicentes dos homens de juízo
que deram pílulas às esposas, ou as mandaram à parteira
secreta e
elas quiseram ir. Antes morrer.
Mas que adianta morrer? Quem nos garante que a morte
não existe só para os filhos da puta? Quem me garante que
não fico lá, assistindo a tudo, e sem sequer poder
chamar-lhes
filhos da puta, com o devido respeito a essas senhoras que
precisamente
se distinguem das outras por não terem filhos, nem desses
nem dos outros?
Mas mesmo isto não consola nada. A quantidade, a variedade,
gastaram a força dos insultos. E não se pode passar a vida,
esta miséria que me dão e querem dar a meus filhos, a chamar
nomes
feios a sujeitos mais feios do que os nomes. Como pode um
homem
sequer estar vivo no meio disto, sem que o matem?
E o pior é que matam, sim, e sem saberem primeiro a quem,
para não se inquietarem com o problema de terem morto por
engano
um irmão, desfalcando assim a família humana de algum
ornamento
que a tornava menos humana e mais puta.
15/06/1964
Foto: Bunny Freedom, 1,60 m, 55 kg, 81-58-81, sapatos
36 ½, olhos e cabelos castanhos, nascida a 21 de outubro de 1991 em Seattle,
Washington.
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