Égloga Basto de Francisco de Sá de Miranda (2)







BIEITO
 
15
Que é isto, Gil, que andas triste,
despois que entrou este Abril?
Não sei que demo te viste,
que tu não pareces Gil.
Amigo, onde te sumiste?
 
Ulo aquele grande amigo,
de limpos bofes lavados,
daquele bom tempo antigo?
que assi falava contigo,
tu comigo os teus cuidados?
 
16
Assi tão só te vieste,
forte burrão foi o teu!
Tanto d’amigo esqueceste
como aqui tinhas de teu!
Nem a mim não mo disseste.
 
Ora di-me, se te apraz:
despois de tanto sol posto
tal inchaço inda em ti jaz?
Arrenega o mal, que traz
sempre à memória mau rosto.
 
17
Tu olhas-me de través:
parece que a mal o tomas;
mas se Gil tu inda este és,
não hei medo que me comas,
por anojado que estes.
 
Posto que, por mau acerto,
fezeste forte mudança,
já tanto to não referto;
mas de um amigo tam certo
deveras ter mais lembrança.
 
18
Muitas vezes esmagino,
Gil amigo, em ti cuidando,
na tua brandura e ensino,
que falarias estando
duas horas c’um menino.
 
Ora olha bem o que fais;
tinhas tantos de bons modos
c’os iguais e não iguais,
quando estavas bem c’os mais:
dás que em ti falar a todos!
 
19
Que se fez do teu cantar?
Ninguém não cantava assi;
mas para que é perguntar
senão que se fez de ti?
Onde te iremos buscar?
 
Não há ora um tanto espaço
quando Janebra casou
com Gregório teu colaço
- quem teve rosto aos do paço?
Quem tangeu e quem cantou?
 
20
Morreu-te gado meúdo?
Assi vai de grão em grão;
não se pode salvar tudo;
vem bom tempo após o mau:
sofre, que sofre o sesudo.
 
Arrenega dos assanhos:
Já os devias ter provados;
Não são os males tamanhos:
Se este Março não foi de anhos,
Outros virão melhorados.

Foto - bucolismo moderno - coisa fofa pastora de longas pernas fazendo xixi de uma ponte rústica no campo.

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