Égloga Basto de Francisco de Sá de Miranda (1)
BASTO, representador,
de quem se toma o nome.
[Apresentador]
PASTORES. Bieito. Gil.
BASTO
6
Como corre e como atura
quem vai após o seu gosto!
Não sente frio ou quentura,
mas no suor do seu rosto
busca às vezes má ventura.
Sem guia e sem esconjuro,
c’os medos se desafia;
só vai, afouto e seguro;
de noite pólo escuro,
por montes ermos de dia.
7
Este apetito que digo,
quem o desse à má maleita,
que traz mil artes consigo:
guar-te dele que te espreita,
por dar d’avesso contigo.
Rosto ao si e rosto ao não,
a fortuna é feita assi:
mal a conhece o vilão;
cuida que a tem na mão,
ela sorri-se entre si.
8
Onde quer cho demo jaz,
para haver de embicar nele:
fui topar c’um mau lobaz,
dei-me c’os meus cães trás ele,
tive de fadiga assaz.
Eis desparece, eis que assoma,
desfazia-me correndo,
toma aqui cão, ali toma;
som caçador: fui-me em soma,
assi traspondo e perdendo.
9
Isso a quem não acontece?
Seja porém na má hora;
o tempo desaparece,
estão-se rindo os de fora,
a nós não no-lo parece.
A correr e dar à choca,
este desafia mil;
aqueloutro vende e troca;
outro traz graças na boca;
doutro chia o arrabil,
10
Cuida que as namora todas;
não sei quem ch’é, por fermoso,
vai-se às festas, vai-se a bodas;
tenho-me eu c’o dadivoso
qu’unta o carro, andam as rodas:
grandes cousas, cap’em colo,
conta – se elas assi são –
que me dão volta ao miolo.
Devem-me de ter por tolo;
e eu a eles por que não?
11
Como lontra jaz no rio
um, e o seu gado mal pasa;
ele pesca, ora c’o fio,
ora cana e ora nassa;
outro que anda sempre em cio;
daqueloutro a esposa crama,
vê-se desejosa e nova,
dando voltas pola cama;
ele por neve e por lama
corre c’os seus cães à prova.
12
Vai assi já há muitos dias,
que não volve atrás ninguém;
bebemos das bem-querias,
que cada um consigo tem;
damos dessas razões frias.
O bom Gil, sendo mais moço,
muita da terra correra;
passa um, passa outro alvoroço;
o seu fardel ao pescoço
por bom parceiro escolhera.
13
Ora ele assi pastor sendo,
se primeiro estava mal,
foi apalpando, foi vendo;
antre nós che era outro tal:
também se foi delambendo.
Uma vez lama, outra poo,
sempre te achas achacado;
inda deu mais outro voo:
por melhor houve andar soo
que assi mal acompanhado.
14
Era grande amigo seu
Bieito; e, vendo a tal mania,
consigo um dia la deu;
tiveram grande porfia:
um rezões deu, outro deu.
Não há quem se não defenda
a pareceres alheos,
antes mais que dos que emenda;
contar vos hei da contenda
sem meter verbas nos meos.
Foto - bucolismo moderno - bonequinha nua faz xixi na berma
de uma estrada rural.
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