Égloga Basto de Francisco de Sá de Miranda (9)




GIL
 
44
Se c’os teus olhos não vejo,
nem ouço c’os teus ouvidos,
por meus sentidos me rejo,
e tu pelos teus sentidos,
todo o debate é sobejo.
 
Comes túberas da terra,
eu não nas posso comer;
nem um nem outro não erra.
Para que é sobr’isto guerra?
Come o que bem te souber.
 
45
E não te digo que faças
quanto ao apetito vem:
não entro tanto nas graças;
mas entendo o saber bem
disto que anda pelas praças.
 
Porque o tempo fez abalo,
e somos em forte ensejo,
inda alevanto outro valo:
que nos doentes não falo,
os quais mata o seu desejo.
 
46
Bem digo que a verdade era
ir pelo fio da gente;
c’os mais mais força houvera,
e o amigo e o parente
que murmurar não tevera.
 
Porém a mim só não minto,
não dobro, não lisonjeo;
som farto, que era faminto:
que mal é o meu destino
antes seguir, que o alheo?
 
47
Vou fugindo às armadilhas
que vi com manha esconder;
não quero ouvir maravilhas
às vezes mui más de crer:
da má mãe nacem más filhas.
 
Querem que homem ouça e crea,
e que estê a boca aberta.
Não posso; e daqui se atea
Às vezes a má estrea,
Que a cada passo está certa.
 
48
Olha se a razão concrude:
és doente, teu pai não;
digo outro tal da virtude.
Pola ventura és tu são,
porque teu pai tem saúde?
 
Não, que cumpre outra mezinha;
olhe cada um por si.
O bem não é como a tinha,
que se apegue tão asinha;
o mal pode ser que si.
 
49
Lê-me primeiro essa lenda:
deixaram-te os teus passados
terras e vinhas de renda?
Olha que vão mesturados
encargos co’a fazenda.
 
Cumpre a cada um que arribe
per si, se desejas honra;
não te abasta: donos tive,
que quem como eles não vive,
tanto mais sua desonra.

Fonte - bucolismo moderno - loira deliciosa faz xixi ao ar livre quando pensa que está sozinha.

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