Internet - o cassetete do polícia
Os dias maus vão acabar
À medida que a sociedade do espetáculo estende o seu
reinado, aproxima-se do clímax da sua ofensiva, provocando novas resistências
em todos os lugares. Estas resistências são muito pouco conhecidas justamente
porque o espetáculo reinante é projetado para apresentar uma imagem hipnótica
onipresente de submissão unânime. Mas elas existem e estão se espalhando.
Todos falam sobre a rebelião juvenil nos países
industrializados avançados, embora sem entender muito sobre isso. Revistas militantes
como Socialisme ou barbarie (Paris) e Correspondence (Detroit)
publicaram artigos bem documentados sobre a contínua resistência dos
trabalhadores no local de trabalho a toda a organização do trabalho e sobre a sua
despolitização e sua desilusão com os sindicatos, que se tornaram um mecanismo
de integração dos trabalhadores na sociedade e uma arma complementar no arsenal
económico do capitalismo burocratizado. À medida que as velhas formas de
oposição revelam a sua ineficácia, ou mais frequentemente a sua completa
inversão em cumplicidade com a ordem existente, uma insatisfação irredutível se
espalha subterraneamente, minando o edifício da sociedade abastada. A “velha
toupeira” que Marx evocou no seu “Brinde aos Proletários da Europa” ainda está
cavando; o espectro está reaparecendo em todos os cantos e recantos do nosso
castelo de Elsinore televisionado, cujas brumas políticas se dissipam assim que
os conselhos operários surgem e enquanto eles continuarem a reinar.
Assim como a primeira organização do proletariado clássico
foi precedida, durante o final do século XVIII e início do século XIX, por um
período de atos “criminosos” isolados destinados a destruir as máquinas de
produção que privavam as pessoas do seu trabalho, estamos agora a assistir à
primeira aparição de uma onda de vandalismo contra as máquinas de consumo que
certamente nos privam da nossa vida. Em ambos os casos, obviamente, o
significado não está na destruição em si, mas na rebeldia que poderia
potencialmente evoluir para um projeto positivo que vai ao ponto de reconverter
as máquinas de uma forma que aumente o poder real das pessoas sobre as suas
vidas. Deixando de lado os estragos perpetrados por grupos de adolescentes,
podemos apontar alguns exemplos de ações de trabalhadores que são em grande
parte incompreensíveis na perspetiva clássica de “protestos e reivindicações”.
Em 9 de fevereiro de 1961, em Nápoles, os operários da
fábrica, saindo do turno diurno, descobriram que os autocarros que normalmente
os levavam para casa não estavam a funcionar, os motoristas tinham iniciado uma
greve relâmpago, porque vários deles tinham acabado de ser demitidos. Os
trabalhadores manifestaram a sua solidariedade com os grevistas atirando vários
projéteis aos escritórios da empresa e depois garrafas de gasolina que
incendiaram parte da estação de autocarros. Depois queimaram vários autocarros,
enquanto afastavam com sucesso a polícia e os bombeiros. Vários milhares deles
se espalharam pela cidade, quebrando montras e sinais elétricos. Durante a
noite, as tropas tiveram que ser chamadas para restaurar a lei e a ordem, e
carros blindados entraram em Nápoles. Essa manifestação sem objetivo e
totalmente espontânea foi obviamente uma revolta direta contra o tempo de
deslocamento, que é uma adição tão onerosa ao tempo de escravidão assalariada
nas cidades modernas. Desencadeada por um pequeno incidente casual, essa
revolta começou imediatamente a se estender a toda a decoração da sociedade de
consumo (recentemente rebocada sobre a tradicional pobreza do sul da Itália): as
montras e os letreiros de néon, sendo ao mesmo tempo, os seus pontos mais
simbólicos e mais frágeis, naturalmente atraíram os primeiros ataques, assim
como acontece durante os tumultos da juventude rebelde.
(…).
Definir a nova pobreza implica também definir a nova
riqueza. À imagem propagada pela sociedade dominante — segundo a qual ela
evoluiu (por si mesma e em resposta a pressões reformistas aceitáveis) de uma
economia de lucro para uma economia de necessidades — deve ser contraposta uma
economia de desejos, que poderia ser definida como: sociedade tecnológica mais
a imaginação do que poderia ser feito com ela. A economia das necessidades é
falsificada em termos de hábito. O hábito é o processo natural pelo qual o
desejo realizado é degradado em necessidade e é confirmado, objetivado e universalmente
reconhecido como necessidade. A economia atual está diretamente voltada para a
fabricação de hábitos e manipula as pessoas, forçando-as a reprimir os seus
desejos.
A cumplicidade com a falsa oposição do mundo anda de mãos
dadas com a cumplicidade com sua falsa riqueza (e, portanto, com o recuo da
definição da nova pobreza). O discípulo de Sartre, Gorz, é um bom exemplo. Em Les
Temps Modernes #188 ele confessa como está envergonhado que, graças à sua
carreira como jornalista (que, de facto, não é nada de especial), pode pagar as
coisas boas desta sociedade; entre os quais menciona respeitosamente táxis e
viagens ao estrangeiro – numa época em que os táxis avançam lentamente atrás da
massa de carros que todos foram obrigados a comprar; e quando as viagens ao
exterior nos apresentam o mesmo espetáculo aborrecido da mesma alienação
infinitamente duplicada em mundo. Ele também se entusiasma – como Sartre fez
uma vez sobre a “total liberdade de crítica na URSS” – sobre “a juventude” das
únicas “gerações revolucionárias”, as da Jugoslávia, Argélia, Cuba, China e
Israel. Os outros países são velhos, diz Gorz, para justificar a sua própria
senilidade. Assim, ele se livra da necessidade de fazer análises mais precisas
ou distinções entre “a juventude” desses ou de outros países, onde nem todos
são tão velhos ou tão visíveis, e onde nem toda revolta é tão Gorz.
(…).
A próxima forma de sociedade não será baseada na produção
industrial. Será uma sociedade de arte realizada. O “tipo absolutamente novo de
produção supostamente em gestação na nossa sociedade”, cuja ausência Fougeyrollas
lamenta em Marxisme en question, é a construção de situações, a
construção livre dos acontecimentos da vida.
Guy Debord,
Internationale Situationniste #7 (Paris, abril 1962)
Atualmente, a Internet restringe-se ao papel de mera ferramenta policial. Um local de recolha de informação, vigilância e controlo das pessoas, para que não haja sobressaltos, que contrariem ou ameacem o espetáculo da classe dominante. Nem sempre foi assim. No início do século XXI, a Internet era uma zona livre, antes da regulação, (simulacro de censura), que projetou online o espetáculo, o vivido substituído pela representação, o fantasma de classe disseminado como real, e a consumpção da vida na mercadoria.
Uma das maiores vedetas da Internet livre foi Kristina Fey. Ao longo de 400 produções fotográficas, com mais ou menos quarenta-cinquenta fotos cada, publicadas em site homónimo, realizadas em adereços domésticos, na natureza, ou fantasiosos, Kristina Fey limitava-se a ser adorável e boa onda. Distante da mentalidade viciosa moderna que martela sexo em todos os gestos, por ser lucrativo ou criminoso. Mesmo nos trabalhos com outras modelos, como Shana,
o efeito era estético e não sexual, puro e duro, como hoje
se consome.
Kristina Fey, 1,67 m, 48 kg, 81-58-84, sapatos 36, olhos cor de avelã, cabelos castanhos, nascida a 13 de janeiro de 1983 em Simferopol, no centro da Crimeia. (Noutros lados o nascimento é colocado em Kyiv, Druzhkovka, Ukraine). (Noutros ainda, dão-na como inglesa nascida em Ipswich, algo impossível, pelas suas caraterísticas físicas, mas também por que numa produção fotográfica,
ela bebe de um pacote молоко – que significa em russo leite fresco).
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