A pose fixa
"A tradicional e habitual ideologia defensiva da burguesia é o
idealizar: os crassos antagonismos, os berrantes horrores da sociedade
capitalista devem ser trazidos, numa forma intelectual ou artística, ao
desaparecimento. Isto faz, há mais de um século, a começar com a filosofia académica,
toda ciência e arte ajustadas à apologia. Esta orientação atingiu a sua forma
mais crassa nos filmes de Hollywood, mas frequentemente também a filosofia de
cátedra não é outra coisa além de um filme-de-final-feliz, trazida numa forma
conceptual.
Ao lado da realidade terrível das últimas décadas, o puro
idealizar manifestou-se, no entanto, como demasiadamente fraco, ineficaz. Pelo
menos para os círculos pensantes da intelligentsia burguesa; tornou-se
impossível retirar, do olhar deles, os factos perturbadores da vida social,
fazê-los desaparecer, por meio de um retoque, através de meios tão simples.
Em que consiste, então, sob tais circunstâncias, a dificuldade
para a ideologia apologética burguesa? É a pressão dos factos no pensar. Aquele
mundo, que a ideologia burguesa vulgar se esforça em representar como um todo harmónico,
apresenta-se para a humanidade como um caos terrível e sem sentido. O que se
deseja tornar como facilmente digerível para eles, desperta neles descontentamento,
sim, por vezes são até acometidos de impressões da incipiente contradição, da
incipiente revolta contra o mundo imperialista. Há a ameaça do perigo de que a
parte pensante da intelligentsia adira ao socialismo.
Aqui se tornou necessária uma nova linha defensiva. Esta, a
filosofia de Nietzsche forneceu no começo dos anos 1890, a de Spengler e de
seus companheiros na Primeira Guerra Mundial, assim como o moderno
existencialismo, a semântica, etc., depois da Segunda Guerra Mundial.
Seria superficial pensar que tenha sido a própria burguesia que
produziu esta filosofia para sua própria proteção. Não. Aqui se trata de uma
conceção de mundo que emerge espontaneamente, de um reflexo imediato da
situação na qual vive a intelligentsia na era do imperialismo.
Consideremos esta situação! O ponto de partida é a insatisfação com o mundo
circundante e o descontentamento, a indignação, o desespero, o niilismo, a
falta de perspetiva, que surgem desta insatisfação. Neste mundo distorcido, o
indivíduo desesperado procura uma saída individual, no entanto, ele não a
encontra. Ele não pode encontrá-la, pois questões sociais não podem ser
resolvidas individualmente. Reflete-se nos seus pensamentos, consequentemente,
um mundo vazio, desorientado, desumano e sem sentido. Daqui ele tira – num
desespero cínico ou sincero – as suas consequências.
Estas conceções de mundo parecem, então, numa primeira vista,
expressar uma revolta ou, pelo menos, uma negação clara do mundo existente.
Assim, para que tais conceções de mundo da burguesia imperialista são uteis?
Como ela pode aproveitar-se delas para as suas finalidades? Como ela pode
influenciá-las?
A utilidade exprime-se, sobretudo, em que é impossível para esta
indignação, enquanto tateia e procura a saída individualmente, movimentando-se
em círculos, poder se direcionar para a transformação da sociedade. Já o
primeiro clássico do pessimismo, Schopenhauer, recusou de antemão todos os
esforços – inferiores, aos seus olhos – orientados em transformar a sociedade.
E na sombra do mais elevado princípio da filosofia de Heidegger e Sartre: o
nada, ao lado da “grandiosidade” do niilismo que abrange o mundo todo, reduz,
aos olhos dos discípulos, toda reforma social “mesquinha” e “inferior” a uma
completa insignificância. Decerto, quem se revolta deste modo, é, na vida, um
filisteu passivo ou paciente.
Também isto é para a burguesia imperialista uma conquista.
Entretanto, a coisa segue adiante. O pessimismo se torna, rapidamente,
complacência. Pessimismo e desespero aparecem como uma conduta “elegante” em
relação ao otimismo “banal”, da mesma forma que o ficar de fora, o “ficar
ofendido” em relação ao agir “superficial”. No meio da crise social, na beira
do abismo, que ameaça devorar a sociedade burguesa, esta intelligentsia
prossegue complacentemente sob a base espiritual do pessimismo e do desespero, a
sua vida de filisteu. E já que o imperialismo tolera esta conduta
“revolucionária” e, na verdade, a apoia, surge daí uma antipatia aguda em
relação à sociedade democrática emergente ou mesmo à emergente sociedade
socialista, a qual demanda da humanidade um envolvimento ativo. Emerge a conceção
de mundo, que para a “cultura” – quer dizer, para a conduta pessimista
complacente – esta sociedade que a apoia seria mais favorável do que aquela
progressista que exige um envolvimento ativo no trabalho da humanidade.
No entanto, isto também é apenas um ponto de passagem. O niilismo,
a carência de perspetiva não quer e nem pode dar à ação humana uma medida
concreta, uma direção determinada. A conceção de mundo, que arranca a conduta
individual das relações da sociedade, considera as decisões individuais ou
perfeitamente injustificáveis, ou procura as relações em falsas pistas, em
desvios, lá, onde elas não podem ser encontradas. A procura por relações
“cósmicas” é, naturalmente, uma estufa de credulidade e de superstição. Assim,
as diferentes variedades de novas superstições entram em moda: o novo
misticismo, yoga, astrologia. E aqui, a política imperialista vincula-se
ativamente a estes modernos esforços da conceção de mundo. Isto se mostrou,
mais claramente, na propaganda do fascismo. Esta recorreu à credulidade
entorpecida na espera de um milagre, ao desespero disposto a tudo. Se a assim
chamada conceção de mundo nacional-socialista pôde conquistar uma parte
significativa da intelligentsia, foi apenas por Nietzsche e Spengler,
Heidegger, Jaspers e Klages terem preparado este terreno da credulidade na intelligentsia,
sobre o qual esta ideologia, apesar de sua inferioridade, pôde ser
irresistivelmente eficaz, onde a passividade desesperada pôde virar uma
atividade fundamentada na credulidade, uma obediência cega a todo comando do
líder (Führer).
Hitler foi derrubado. Mas as tentativas do imperialismo agressivo
de novamente revitalizar o fascismo são mais vivas hoje do que nunca. Por isso,
não é surpreendente que, por parte da burguesia, não se empreendeu nada para
liquidar ideologicamente essas conceções de mundo que precederam e prepararam o
fascismo. Vemos, pelo contrário, que estas conceções de mundo se propagam
tranquilamente em escala mundial, que elas gozam do completo apoio, pode-se
dizer, de todas as nuances da burguesia. O êxito mundial do existencialismo
comprova, a esse respeito, que na sociedade burguesa não houve nenhuma mudança
essencial. E a política da “terceira via”, a qual os existencialistas em
relação a de Gaulle perseguiram no começo, mostra claramente que o papel
social, que se atribui ao novo niilismo, não se distingue essencialmente do
velho."
Georg Lukács, “Por que a burguesia precisa do desespero?” (1948)
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