Ostentação da boca
As sociedades envaidecidas no seu tratamento, com sentimento
e sensibilidade, do género feminino, que abominam e rejeitam o passado ignaro, entranhado
de discriminação e violência, ainda não assimilaram as grandes mudanças, estimuladas
pela penetração extensiva da mulher no mercado de trabalho, e como principal
consumidora dos vários produtos da indústria do ensino.
Maior convívio com o sexo feminino envolve mais
oportunidades de sexo. Desta sobrelotação libidinal irrompeu o problema da preservação
da virgindade. A solução acessível foi a promoção da entrada e da saída do tubo
digestivo a órgãos genitais. Práticos, fáceis de operar, além de contracetivos
naturais.
Se a saída não levanta problemas de pudor, consequência da própria
evolução do vestuário, a entrada, pelo seu lado, ainda constitui um atentado ao
pudor, que tarda em ser anulado na cultura cristã. Talvez pela tradição de ser a palavra de Maria, - de que foi Deus a conceder-lhe uma bênção maravilhosa -,
o alicerce do catolicismo.
Modelo: Marketa Pechova em “Marketa Pechova And A
Pink Sunset”.
Foto: Zach Venice.
Não foi sempre assim no passado. Pelo menos, no século XVI, não
sendo ainda a boca um órgão genital, antevia-se alguma remota ligação com os prazeres da carne. “O
silêncio, a boca fechada, constituíam um sinal de castidade”, escrevia Kathleen
M. Llewellyn em “Representing Judith in Early Modern French Literature (Women
and Gender in the Early Modern World).
E existem muitas representações de mulheres de boca tapada, como estas duas mulheres no cortejo de uma unidade militar, de 1530.
Mulher nobre de Meissen, 1577.
“Mulheres suíças a caminho da igreja”, Hans Weigel, 1577.
“Uma mulher de Leipzig vestida para ir à igreja”, Hans Weigel, 1577.
“Mulher ajoelhada”, Hans Baldung gen. Grien, 1520.
Castelo Wavel, em Cracóvia, Polónia, busto de cabeça de mulher com a boca tapada, século XVI.
“Ressurreição do filho da viúva de Naim” por Lucas Cranach o novo, cerca de 1569.
Catedral de Santo Estêvão (Viena).
E até Katharina von Bora, a esposa do fundador da Reforma, Martinho Lutero, cobriu a boca, 1546.
A explicação deste costume decoroso nas mulheres do século XVI parece estar no facto de serem viúvas. “A castidade, o silêncio e a obediência eram ainda mais difíceis de alcançar para as viúvas, sem orientação moral masculina, do que para as outras mulheres, as viúvas eram aconselhadas a levar uma vida tranquila, retraídas ao mundo e às suas tentações, e a se dedicarem à oração”, em “Women in Early Modern Europe, 1500-1700”, por Cissie Fairchilds.
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